Pensar, refém da técnica: OAB e Filosofia do Direito
Ontem, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que incluirá Filosofia do Direito como disciplina nos próximos exames da Instituição a partir de 2013. O exame nacional, elaborado e organizado pela Fundação Getúlio Vargas, consiste, hoje, de duas etapas: uma prova preambular objetiva, de caráter generalista, com questões que abrangem as diversas áreas da dogmática jurídica e, não raro, favorecem mais a memorização de conteúdos e enunciados normativos que os raciocínios problematizantes e propriamente jurídicos; uma segunda etapa, escrita, em que o candidato responde a questões discursivas curtas e elabora uma peça sobre um problema dado, em que se avaliam a técnica de redação, argumentação e outros elementos relevantes para o desempenho da profissão.
Os efeitos da iniciativa de 2010, sob este ponto de vista, são exemplares. O que aconteceu à cadeira de Direitos Humanos, de 2010 para cá, foi sua transformação em uma disciplina acrítica, reativa, retoricamente esvaziada, de mera enunciação de proposições normativas internacionais – isto, quando não se interpretam tratados internacionais à luz da jurisprudência interna, aberração mais contumaz – na maior parte das faculdades de direito, a fim de cumprir a determinação da resolução do Conselho Federal da Ordem dos Advogados e incrementar os índices das instituições.
Paulatinamente, a OAB e seu exame normalizam todos os espaços de pensamento no Direito. A Filosofia do Direito, uma das últimas territorialidades capaz de descodificar o tecnicismo imposto pelo Exame, deve passar, agora, para o lado do código contra o qual, historicamente, agia. Na prática - aquela, de que os juristas mais superficiais tanto gostam -, a Ordem molda indiretamente os currículos universitários, quando são a universidades que deveriam pautar os exames de Ordem e concursos públicos. Isso é resultado de um duplo influxo: a franca decadência das instituições acadêmicas, que se tornam infatigável espaço de repetições medíocres, e a obturação das pequenas possibilidades de desconstituir e escapar a este código. O fato de que universidades comecem a discutir temas que deveriam soar paradoxais a qualquer um – como o “Capitalismo Humanista”, por exemplo - deveria bastar como indício de o quanto essa sobrecodificação das universidades, pelas instituições, é paradoxal.
Oshorizontes de resistência e criação, contudo, permanecem os mesmos: o trabalhosobre si, a clínica social, a produção desejante, a criação de conceitos enovos planos de consistência, a desconstituição, a crítica, radical e urgente,e o retrabalho comum sobre a crítica jurídica; com ela, contra ela e para alémdela. A esse conjunto de trabalhos - que não exige uma postura apenas dosfilósofos do direito, mas dos pensadores de todas as humanidades - foi quechamei, certa vez, filosofia dodireito na imanência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário